terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Como água para a criação

Iniciando esse nosso papo virtual, vou propor um exercício:

De olhos fechados, em um ambiente silencioso, imagine uma forma geométrica qualquer. Construa esta forma em seu cérebro. Agora coloque nessa forma um movimento que você acha que melhor se adapte a ela.

Visualize em seu cérebro essa forma e seu movimento por um tempo; depois adicione um som a essa imagem.

É importante que você não mude nada depois de sua escolha inicial.
Coloque um ritmo e, se quiser, letra, voz, música. Tudo funcionando em conjunto em sua mente.

Depois, respire fundo e associe um aroma. Tente sentir, realmente, este cheiro.

Mantenha na memória todo este conjunto e adicione uma emoção, ação ou um desejo.

Visualize uma imagem que represente tudo isso: a forma, o movimento, som, ritmo, aroma e emoção. Termine imaginando uma cor, uma única cor, que possa representar tudo o que você criou.

Crédito da ilustração: Bar - Alexandre Barbosa

Isso é sinestesia, e foi assim que trabalhei com o aluno deficiente visual que falei no texto anterior, O Cheiro do Design.

A razão de eu abordar esse assunto foi pelo retorno que obtive. Foi por sempre desejar trabalhar o design com olhares diferentes, e agregando cada vez mais conceitos e formas de linguagem, que iniciei pesquisas com a sinestesia, não apenas das cores, mas das formas geométricas, dos tipos, linhas, gestos etc.

O trabalho com deficientes visuais só faz com que fique mais clara a existência e eficiência da linguagem sinestésica.

Para nós, que enxergamos, é mais difícil sentir, perceber e, principalmente, ler essa linguagem, mas ela existe e é uma ferramenta rica e importante de comunicação que nós, designers, deveríamos entender, estudar, usar e aplicar cada vez mais.

Conseguir agregar a um logotipo, cartaz, cenário, elementos que vão além do que vemos, que fazem parte de um conjunto de sensações não visíveis, só faz com que cada trabalho feito, criado, possua um resultado mais eficiente e, com isso, tenha um contato mais direto com nosso receptor.

A sinestesia visual e todo o seu conjunto de sensações — formas, cores, tipos etc. — pode também estar presente em textos, palavras, gestos. Ou seja, ela está presente não apenas no que vemos, mas no que falamos e escrevemos. Está presente nesse texto.

Qual seria o conjunto sinestésico que eu criei no momento de escrever este texto?

Como em tudo que faço, crio; sempre começo com um conjunto sinestésico. Deixo todas as minhas linguagens aflorarem. Isso quer dizer que, ao iniciar esse artigo, tinha uma cor, um som, um aroma que se traduziram e ajudaram a compor essas palavras.

Nem sempre esse conjunto de sensações faz parte de nosso gosto pessoal, mas mesmo assim deve ser observado e levado em conta.

Muitos designers usam o ritmo, o som como inspiração para criação, como Rafic Farah e suas muitas obras criadas ao som de Pixinguinha ou Tom Jobim, fato contado por ele mesmo em um encontro que tivemos na universidade.

Essa inspiração é sinestésica e pode vir de aromas, formas, temperaturas, de toda e qualquer coisa que vai além da visão.

Fica aqui uma proposta e uma dica.

A proposta: faça o exercício inicial e me conte o resultado.

A dica: sempre ao iniciar um trabalho crie seu ambiente sinestésico de acordo com o tema de sua criação e verá como o resultado pode ser melhor.

Não sei que vocês, leitores repararam, mas os meus títulos fazem sempre uma relação com cinema.

O primeiro com o filme O Cheiro do Ralo

e, por isso, a partir deste artigo você encontra sempre uma dica de filme, que tenha alguma relação com o meu texto e uma dica de música. A relação design, cinema e música esta sempre presente em tudo que faço.

Para ver: Como água para Chocolate

Para ouvir: Putumayo – World Music

http://www.zupi.com.br

Márcia Okida designer gráfico, vice-presidente da Associação Cultural Vontade de Ver. Professora universitária nos cursos de Jornalismo e Produção Multimídia e coordenadora do curso de Produção Multimídia da Universidade Santa Cecília — UNISANTA.
okida@uol.com.br

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