segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Negociando sob pressão - Lord David Trimble

A tarde do primeiro dia de palestras do Fórum Mundial de Negociação 2008 da HSM começou com a apresentação do Prêmio Nobel da Paz de 1998, Lord David Trimble. Hábil negociador, Trimble foi uma figura-chave do Acordo de Belfast – ou Acordo da Sexta-Feira Santa - que, baseado no conceito de compartilhamento do poder, permitiu que a província do Ulster, na Irlanda do Norte, seguisse o caminho da paz. Além do prêmio Nobel da Paz (obtido juntamente com John Hume), Trimble recebeu o título de Parlamentar do Ano de seus colegas na Câmara dos Comuns em 2000 e, no ano seguinte, o reconhecimento da revista Spectator, também por seu trabalho como parlamentar.

Lord Trimble iniciou sua apresentação fazendo uma ressalva: “As pessoas acreditam que há semelhanças entre os problemas da Irlanda com os casos de terrorismo de outras partes do mundo, até porque há um conflito religioso subjacente, mas cada situação é única. Mesmo que pareçam semelhantes, há circunstâncias que devem ser tratadas com o devido respeito. Eu não me sinto confortável em dizer ‘Porque nós fizemos isso, vocês devem fazer’.”

Em seguida, o palestrante detalhou os pontos críticos do conflito que havia entre a Irlanda (nacionalista-separatista) e a Irlanda do Norte (unionista). Trimble recordou que foi depois da Primeira Guerra Mundial que se desenvolveu um movimento pela independência da Irlanda em relação ao Reino Unido. No entanto, como existia, na parte Norte da Irlanda, um número grande de pessoas que não queriam apartar-se do Reino Unido, a Irlanda dividiu-se. As comunidades se definiam em termos religiosos: católicos eram nacionalistas e protestantes defendiam a manutenção da união com o Reino Unido. A comunidade da própria Irlanda do Norte dividiu-se, pois havia uma minoria significativa que desejava, também, tornar-se independente do Reino Unido. A questão do apoio aos métodos violentos do IRA (o exército republicano irlandês), por sua vez, dividia os separatistas, mas também do outro lado do conflito eclodiam rachas entre moderados e radicais. Não havia, assim, um ponto de vista coerente ou um consenso, o que impunha ainda mais dificuldades ao acordo político. A rivalidade entre grupos de uma mesma comunidade era, para alguns, mais importante que a questão maior. Ao mesmo tempo, os governos acreditavam que poderiam exercer o poder impondo a solução que a eles parecia mais adequada, em vez de escutar as minorias representadas por um sistema multipartidário. O partido conservador de Londres não se organizava adequadamente na Irlanda do Norte, e tentativas de acordo fracassaram por serem eles considerados “os que vinham de fora, querendo se impor”, o que causou ressentimento. “Os unionistas reclamavam que não haviam sido consultados. Foi assim nos anos 1970 e 1980. Na década de 1990, facilitadores foram finalmente adotados pelo governo para manter um diálogo com as minorias locais.”

Trimble ressalta que, em mais de 25 anos, só houve cinco ocasiões em que se estabeleceram conversações políticas sérias entre os nacionalistas e os unionistas. “As autoridades da Irlanda do Norte passaram mais tempo falando com os membros de seu governo do que com seus oponentes”, diz Trimble. “Entre os entraves ao acordo estava o fato de que a maioria dos unionistas considerava o problema que tínhamos como sendo de leis e de ordem, e que não deveria ser discutido em negociações políticas com quem havia produzido tanta violência”, conta o palestrante, remetendo-se aos idos de 1975, quando o IRA era muito violento.

Trimble é enfático: “Quando você está em um conflito dessa natureza, não pode resolvê-lo enquanto houver pessoas significativas, de um lado ou de outro, que só pensem em vitória”. Para Trimble, é preciso que se tenha em mente que o outro lado não deixará de existir, que a coexistência é necessária. “As duas partes têm que estar seriamente preparadas para negociar.”

Na década de 1990, porém, o IRA foi à mesa de negociações. A questão que se apresentava era “Será que se pode falar com terroristas?”. Há um aspecto emocional nisso. “Amigos meus foram mortos pelo IRA. Muita gente havia morrido e isso provocava uma rejeição emocional à negociação.” Mas o fato é que o IRA começava a cogitar abrir mão da violência em troca de uma possibilidade de participação política. John Major, então primeiro ministro britânico, de início contrário ao diálogo, sentira-se responsável pelo destino das populações envolvidas e chegara à conclusão de que o diálogo poderia ser necessário para pôr fim às mortes. Major estabeleceu diretrizes muito claras: não haveria envolvimento sério entre o governo britânico e o IRA, enquanto houvesse violência; o IRA deveria assumir um compromisso com os meios pacíficos e obedecer ao processo democrático – qualquer mudança teria que ser aceita pelo povo da Irlanda do Norte, mediante o princípio do consenso. “Esses dois princípios – que a conversação deveria ser feita na ausência de violência e que os resultados do diálogo poderiam não ser adotados– formaram a base da posição britânica. Sem essas condições atendidas, diálogos formais permaneciam inviáveis.

As negociações de 1991 e 1992 basearam-se na idéia do consenso suficiente, pelo qual a unanimidade em parte de todos os partidos não é necessária para conseguir selar uma decisão. Assim, foi suficiente ter o suporte de dois governos (o britânico e o da República da Irlanda) e a maioria dos legalistas e nacionalistas. Assim, os extremistas perderam força e o IRA acabou dividindo-se. “Isso foi significativo para os resultados das conversações”.

Quando o processo de paz dos anos 1990 começou a ganhar força, Trimble era líder do Partido Unionista do Ulster. O término das negociações teve início com o cessar-fogo de meados dos anos 1990. Em abril de 1998, chegou-se ao acordo multipartidário que ficou conhecido como Acordo da Sexta-Feira Santa. Ainda hoje, políticos de todas as linhas na Irlanda do Norte trabalham dentro da estrutura que foi criada nas negociações dos últimos anos do século XIX.

Trimble faz um balanço resumido de todo esse processo: “O que fizemos não foi inteiramente satisfatório, mas criamos uma situação em que a violência de 30 anos foi substituída pela paz e pela negociação política. O resultado valeu a pena, mesmo tendo meu partido saído prejudicado em alguns aspectos”.

Georges Blanc, acadêmico da Fundação Dom Cabral, entrou em cena ao final da apresentação de Lord Trimble, e estabeleceu com ele uma conversa informal. Blanc salientou que o contexto atual do mundo dos negócios abrange três pontos principais, que têm paralelos com o processo irlandês:

1. Estamos cada vez mais envolvidos no trabalho com nossos clientes, fornecedores e terceirizados em geral. Todas essas ligações são muito diferentes das transações clássicas de compra e venda e estão muito mais perto de uma negociação, porque devem se basear no horizonte de longo prazo.

2. Dentro das nossas organizações, estamos cada vez menos em estruturas hierárquicas rígidas e, cada vez mais, em estruturas planas, com muitos elos transversais, que precisam realizar seu trabalho através de pessoas sobre as quais não há uma relação de autoridade.

3. O momento é de fusões, aquisições e grandes mudanças nas organizações. Nesses casos, é preciso realmente passar por negociações longas, com situações dramáticas.

Todos esses motivos, segundo Blanc, precisam de perspectivas diferentes do ponto de vista dos líderes das organizações. A esse respeito, Trimble comenta: “Quando já não se depende de estrutura hierárquica, é preciso trazer as pessoas para junto de nós. No processo político, o líder sempre depende do consentimento dos militantes e do eleitorado. Quando as coisas se tornaram difíceis para nós, trazer o partido para dentro foi importante, bem como pessoas de todas as áreas. Estabelecemos um diálogo contínuo, no qual o oponente podia solicitar uma conversação. Organizávamos uma série de reuniões privadas, quando uma crise se anunciava. Nessas reuniões, eu fazia uma breve apresentação da situação e depois eu respondia às perguntas. Eu sempre as aceitava. Mudaram as relações entre as partes. Quando nos aprofundávamos na questão, quando entrávamos na negociação de fato, as pessoas que vinham já sabiam o que estavam acontecendo.” Para Trimble, essa prática pode ser aplicada às organizações de negócios.

Em cima desse exemplo, Blanc indagou Trimble sobre o risco de se perder liberdade na negociação, diante de conversações prévias das quais as pessoas poderiam tirar a impressão de um compromisso. Trimble considera que o benefício é maior: “Podemos dizer que tentamos fazer dessa maneira e não funcionou, que tentamos de outra maneira e também não funcionou. Por termos tido rodadas de diálogo, no momento em que entramos nas negociações, já temos espaço para a manobra.” Daí a importância do diálogo contínuo.








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