segunda-feira, 29 de setembro de 2008

O líder como negociador - Michael Watkins

Grandes negociadores controlam o processo de negociação e são capazes de escrever as regras antes mesmo de se sentar à mesa de conversações. Essas são as qualidades que diferenciam os líderes de maior expressão em qualquer ambiente, seja corporativo, político ou comercial.

Atual professor de Negociação e Liderança do IMD, na Suíça, e com passagens pelas principais escolas de Administração do mundo, como a Harvard Business School, a Kennedy School of Government, também de Harvard, e o Insead, na França, o pesquisador tem vários best-sellers publicados. Entre eles, 90 dias: estratégias de sucesso para novos líderes, considerado a bíblia do on-boarding pela revista The Economist. Watkins ensina que os vitoriosos em um processo de negociação já ganharam antes mesmo de se sentar para a discussão. “O preparo prévio é muito importante. Mas não estou falando apenas sobre pesquisa e informação. Os grandes negociadores são aqueles que moldaram o jogo e estabeleceram o quadro de trabalho antecipadamente”, afirma.

Em uma analogia com os esportes, o especialista ilustra como as pessoas entram no processo assumindo regras pré-definidas, em lugar de moldá-las. “No futebol, por exemplo, os jogadores atuam com limitações. Há um contexto e um regulamento. No caso de uma negociação, entretanto, para ganhar, você deve mudar tudo de modo a lhe trazer vantagens: escolher com quem jogar, estabelecer as medidas do campo, ditar as regras, isto é, assumir o controle. Se entender isso, vai se tornar um negociador muito mais efetivo.”

Há fatores críticos a ser evitados por quem quer negociar com sucesso: usar abordagens padronizadas; focar somente os próprios interesses; entrar no jogo dos outros e ser incapaz de aprender. Para exemplificar essas lições, Michael Watkins usa um dos mais cruciais episódios históricos mundiais: a crise dos mísseis em Cuba, em outubro de 1962. O professor a classifica como “a mais importante negociação da humanidade”, protagonizada pelo presidente norte-americano John F. Kennedy e pelo chefe de estado da antiga União Soviética, Nikita Kruschev.

Para Watkins, Kennedy impediu a guerra ao encontrar novas saídas ao impasse, ou seja, evitou ações padronizadas. “O presidente não aceitou as opções que lhe foram apresentadas: atacar ou retrair-se e enfraquecer-se. Ele entendeu que precisava levar os oponentes a uma situação na qual pudessem fazer uma escolha que não levasse à guerra.”

A estratégia contornou também a segunda armadilha: focar apenas os próprios interesses. Naquele período, no início dos anos 1960, Kennedy enfrentava, no plano externo, uma agressiva União Soviética que tentava, de modo quase desesperado, aumentar sua influência mundial. E, dentro do próprio país, tinha de lidar com a pressão de assessores e políticos que defendiam a solução mais drástica. O presidente norte-americano teve a percepção de que precisava conseguir uma solução honrosa para os russos, que também enfrentavam o dilema entre a humilhação de se render ou a opção de retaliar e manter a dignidade nacional. Os Estados Unidos, então, ofereceram uma saída que salvava as aparências: trocariam os obsoletos mísseis Júpiter, localizados na Turquia, pelas ogivas de Cuba.

Michael Watkins explica que, para o negociador, o bem mais precioso é a reputação. Todos querem ser vistos como o lado forte e criativo. O processo de paz sobreviveu, porque os negociadores conseguiram evitar situações que os levassem a um beco sem saída. Se Kennedy tivesse entrado no jogo e mantido a postura agressiva, “seria o fim do mundo”, observa o professor Watkins, que sintetiza as conseqüências dessa armadilha: “Nesse caso, muito se ganha e muito se perde, antes mesmo de os negociadores sentarem-se à mesa”.

Apesar de ser jovem e inexperiente na administração, John Kennedy havia aprendido com os erros, como a desastrada invasão da Baía dos Porcos, em Cuba. O episódio ensinou valiosas lições: tomar muito cuidado na escolha de seus assessores –o líder, em última análise, será responsável pelas decisões– e avaliar propriamente as conseqüências das ações. O presidente, em suas memórias, diz arrepender-se por não ter feito a pergunta chave: “E aí, o que pode acontecer?”

Por isso, aprender a ser mais eficaz e disciplinar-se para absorver as lições de cada negociação vai levar você a uma evolução constante. Para Watkins, é necessário fazer uma “autópsia” do processo ocorrido: as coisas foram bem ou mal? Se foram bem, o que contribuiu para isso? Se foram mal, por que e o que eu poderia ter feito diferente? Criei o máximo de valor possível? Capturei valor na medida certa? Preservei as relações da melhor maneira possível? Fortaleci ou prejudiquei minha reputação como negociador?

Negociações complexas incluem vários fatores críticos, como entender as ligações existentes entre os jogadores, perceber quem toma as decisões e quais os elos e conseqüências futuras das ações propostas. Existe outro tipo de armadilha nessas situações: como persuadir o outro lado a fazer o que você quer? Há dois modos de convencer uma pessoa. Primeiro, transmitir a convicção de que as propostas são do interesse dela. Isso significa entender os interesses do interlocutor, ou seja, o que ele realmente deseja. Em segundo lugar, estruturar os argumentos de tal modo que a parte contrária tenha a percepção de estar recebendo algo. Para isso, você deve influenciar a percepção das alternativas em jogo, ou seja, moldar as escolhas que seus oponentes acreditam ter. Estabelecer as opções tem muito poder. Kennedy, por exemplo, precisou lidar com essa questão. Os russos poderiam acreditar que contavam com apenas duas alternativas: humilhação e derrota ou ataque. Mas o líder norte-americano soube criar uma saída honrosa, ao propor a troca dos mísseis da Turquia pelos de Cuba. “Negociadores moldam o jogo com medidas unilaterais e acordos negociados”, resume Watkins.

Conforme alguém sobe na hierarquia da empresa, deparara-se com uma situação, em geral, inesperada: aumentam as limitações na hora de decidir, pois a pessoa tem de lidar com mais partes interessadas e mais processos. Significa que cresce o nível de exigência das negociações.

Para Michael Watkins, os líderes empresariais têm de atuar como verdadeiros diplomatas corporativos: “Para transformar qualquer negócio, é necessário manter uma eficiente capacidade de construir e manter as alianças”. Mas como construir essas alianças? Para começar, deve-se entender como funciona a política, tanto dentro quanto fora da organização, ou seja, identificar quem exerce as influências e como se pode alavancar e ativá-las em benefício dos seus objetivos.

Dentro desse cenário, é estratégico saber criar ligações mais fortes e mantê-las ao longo do tempo. Para isso, o negociador precisa saber que tipo de alianças pode criar e onde estão as oportunidades para fazê-lo. Há conexões naturais entre aqueles que mantêm interesses mútuos e compartilham idéias e objetivos. Mas é importante compreender que muitas não têm essas características, e talvez, nesse caso, sejam suficientes acertos de curto prazo, apenas para atender determinado interesse. “Quando pensar em alianças, você deve considerar também nas alianças oportunistas. Muitas vezes, os acordos mais importantes não são com os amigos, mas com os inimigos”, define o professor Michael Watkins.

Toda organização tem um lado sombrio e redes informais que viabilizam operações essenciais. Um dos fatores básicos para criar um ambiente favorável à negociação é identificar essa teia de influências. “Há pessoas cujo cargo não é tão impressionante, nem têm tanto poder, mas são fundamentais para que as coisas sejam realizadas. São aqueles que eu classifico como influentes informais”, pondera Michael Watkins.

Duas perguntas podem ajudar a identificar essas redes de influência: quem influencia quem? A quem você recorre para buscar orientações? Além disso, pode-se montar um mapa de influências. Esse diagrama, que se assemelha a um alvo, mostra como as ligações funcionam dentro da organização. Quanto mais ao centro os personagens estiverem, mais influência direta terão na concretização do objetivo. Depois, é preciso estabelecer as ligações entre as pessoas. Desse modo, é possível visualizar e determinar quais coalisões são favoráveis e quais são desfavoráveis. Em resumo: primeiro deve-se definir os decisores; depois, mapear as redes e, por fim, verificar quem tem influência sobre os protagonistas.

Um passo essencial no processo é reconhecer que, para qualquer coisa importante que se pretenda fazer, haverá uma distribuição do posicionamento das pessoas envolvidas. Há os apoiadores, os antagonistas e um terceiro grupo, que não tem posicionamento definido. Quando começar a pensar em construir coalisões, é importante consolidar a base de suporte, ou seja, quem apóia a idéia.

Em seguida, é necessário remover os bloqueios para trazer o grupo do meio para seu lado. O negociador pode se perguntar: por que essas pessoas vão seguir meu caminho? Por que ficariam contrários às idéias? Com essas respostas, você deve estruturar seus argumentos e moldar as opções a seu favor. Um ponto importante é dar o primeiro passo.

Ao costurar as alianças, o seqüenciamento se revela importante. Desse modo, você pode envolver as partes progressivamente e fazê-las se comprometer com as propostas pouco a pouco. Uma lição que se pode aprender com os diplomatas é a habilidade de conversar com as pessoas individualmente. “Quem já não passou pela situação de entrar em uma reunião e perceber que a verdadeira reunião já ocorreu?”

Para controlar o processo, o negociador precisa, antes de tudo, tomar a iniciativa: agir com rapidez para moldar o jogo a seu favor. Quem faz o primeiro movimento consegue consolidar o apoio, além de antever e neutralizar a oposição. O passo seguinte é o processo de enquadramento. É o momento de influenciar os personagens-chave, entender como os tomadores de decisão percebem suas opções e identificar os possíveis argumentos dos opositores. Em seguida, formatar a maneira como as pessoas percebem as opções que têm diante de si.



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