terça-feira, 4 de novembro de 2008

Legitimar e não legislar


A ''liberdade de expressão comercial'', mais uma vez, está sob ameaça, na opinião do segmento publicitário brasileiro, segundo as maiores entidades, que o representam.

Nesta semana, veicularam nos grandes jornais do país um informe dirigido às autoridades e ao mercado publicitário, no qual afirmam que as potenciais restrições -encabeçadas pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária): proibição da participação de artistas, limitação das mensagens e alertas aos danos causados pelo consumo em anúncios de bebidas alcoólicas, seriam ilegais, dado que a Anvisa não tem competência para legislar sobre a propaganda.

Esta é a argumentação do informe - assinado pelo Conar (Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária), ABA (Associação Brasileira de Anunciantes), Abap (Associação Brasileira de Agências de Publicidade) e federações do segmento como a Fenapro (Federação Nacional das Agências de Propaganda).

Como está na Constituição, compete à União legislar sobre publicidade: ''à lei federal (compete) estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem (...) da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente'' (Art. 220, parágrafo 3º, inciso II) e também que ''a propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior, e conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso'' (Art. 220, parágrafo 4º).

Quem leu o informe, é capaz de jurar que o setor publicitário está pronto para brigar do ponto de vista da legalidade, pelo cumprimento do texto constitucional.

De onde se pode prever uma boa batalha jurídica. No país dos bacharéis, autoridades ligadas ao Ministério da Saúde, Anvisa e outros setores do governo, têm ponto de vista diferente sobre a competência em legislar sobre a publicidade de produtos que afetam a saúde e o meio ambiente.

Os publicitários têm aí a possibilidade de perder mais uma contenda, como na questão da publicidade exterior, em São Paulo, em que prevaleceu a legislação municipal, que decretou a ''Cidade Limpa'', e acabou com outdoor e letreiro escandaloso e outras manifestações não padronizadas, que poluíam a cidade.

Como se vê, tem-se aí uma boa briga do ponto de vista da comunicação. Afinal, parecem ter esquecido a maior interessada nessas questões: a sociedade.

Afinal, nem precisa de pesquisa para saber que a sociedade não tem informação, nem educação, nem conhecimento sobre a produção e o uso de bebidas alcoólicas e não alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e outros produtos que oferecem risco à saúde.

Quem não conhece direito um assunto, é facilmente influenciado e demoniza, num piscar de olhos, qualquer coisa. Que o digam os fundamentalismos religiosos, comportamentais e políticos, desde que o mundo é mundo. Portanto, a má reputação desse tipo de produto é historicamente reforçada a partir do desalinhamento das mensagens comerciais, contra as quais a sociedade reage, por meio do Conar, que ao julgar procedente, as coíbe, impedindo sua veiculação, sem que ninguém atue no cerne da questão: é preciso informar, na mídia de massa, que é possível beber de forma responsável, que é possível aspergir agrotóxico de forma responsável.

A solução duradoura, definitiva, ligada à legitimação de produtos potencialmente perigosos para a saúde e para o ambiente deve, obrigatoriamente, fazer uso de duas vertentes de comunicação: aquela que educa o consumidor a se relacionar de maneira responsável com o produto e a outra, que promova a venda e o consumo deste produto.

Em meu texto Dirigir com moderação, veiculado por Terra Magazine, em 31 de março, afirmei que alguns comerciais de automóveis, veiculados neste ano, induziam ou sugeriam um comportamento irresponsável e criminoso no trânsito e anúncios, principalmente de televisão, estão na contramão: incentivam a destruição de bens e da natureza.

Isso alimenta idéias medievais, vozes que defendem o controle do Estado sobre o conteúdo dos meios de comunicação. Enfraquece a boa e comprovada prática da auto-regulação publicitária. Ainda sugeri no texto que entidades como o Conselho de Auto-Regulamentação Publicitária (Conar) deveriam promover uma discussão interna sobre as disfunções publicitárias, como estas, antes que o assunto caia nas mãos do legislador e do burocrata, normalmente inquisitoriais, portadores de inaceitáveis tesouras de censura.

Em 26 de abril, o Conselho de Auto-Regulamentação Publicitária, entidade não-governamental mantida pelas principais associações de anunciantes, agências e veículos de comunicação, recomendou que três anúncios criados pela agência Leo Burnett para a Fiat Automóveis deixassem de ser veiculados na televisão.

Um dos comerciais - Pára-quedas - na visão do Conar apresenta seqüências de imagens que poderiam estimular comportamento de risco no trânsito pelo público jovem, alvo da campanha. A Fiat aceitou a recomendação do Conar. A ação do Conar no caso dos comerciais para a Fiat mostra a necessidade das grandes empresas, que possuem ações de comunicação voltadas para inúmeros públicos e mercados, agirem a partir de uma política de comunicação integrada. Pois muitas vezes, essas empresas, pelas suas dimensões e numerosas demandas, são percebidas como uma verdadeira torre de Babel.

Explico: muitas áreas e línguas, como na metáfora bíblica, operando a comunicação; e as mensagens emitidas pela mesma empresa emitem valores e atitudes diferentes. E aí, o que o marketing comunica conflita com aquilo que a comunicação corporativa, muitas vezes nos mesmos canais de comunicação, está veiculando. Fica parecendo que essas áreas organizacionais estratégicas não conversam, não se alinham. O consumidor e outros públicos fundamentais para qualquer empresa não são bobos e percebem esse tipo de disfunção nos discursos da comunicação empresarial.

A comunicação Fiat Automóveis é um caso interessante para pensarmos sobre a importância do comunicador empresarial como o grande articulador das mensagens e das atitudes das empresas. O comunicador empresarial é como um guardião dos valores, da missão, da visão e da identidade da empresa.

E, quando está posicionado na alta administração, ele pode sinalizar as ameaças e oportunidades, as forças e fraquezas, dos discursos criados e operacionalizados por áreas que têm na comunicação vértebras importantes, entre elas, o marketing, os recursos humanos, as relações com os investidores e com o governo.

No mundo real, os comunicadores empresariais deixaram de ser os patinhos feios da comunicação e ganham um novo status no organograma.

E assim, eles têm evitado que a comunicação de uma determinada área da empresa não conflite com a imagem e reputação que se quer construir. No caso dos comerciais da Fiat, é bom lembrarmos que a empresa "brasiliana" tem como crédito, desde a sua chegada no Brasil, grandes campanhas de comunicação, que desenham para o mercado e a sociedade, uma empresa alinhada com o Brasil e com os novos tempos, em que a responsabilidade histórica de cada organização está sendo conferida e posta em xeque de forma on-line e digital.

A campanha institucional dos 30 anos da Fiat no Brasil, que tinha como mote fazer com que cada um pensasse o futuro do mundo, das cidades, dos jovens foi uma das melhores ações comunicação empresarial dos últimos anos. É por essa boa reputação, pelo valor reconhecido dos comunicadores da Fiat, que muitos estão lamentando a trombada provocada pelos comerciais do novo Palio.

Autor: E-mail: paulo_nassar@terra.com.br
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